Ensino médio piora: 9 em 10 alunos deixam escola sem saber matemática
William Maia
Do UOL, em São Paulo
06/03/201312h01
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Atualizada 06/03/201313h42
Do UOL, em São Paulo
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Apu Gomes/FolhapressTodos Pela Educação vê currículo inchado e problemas no ensino fundamental como causas do resultado
A cada dez alunos, apenas um concluiu o terceiro ano do ensino médio
com conhecimento considerado adequado em matemática em 2011. Os dados
são parte do relatório anual "De Olho nas Metas" feito pelo movimento
Todos Pela Educação e divulgado nesta quarta-feira (6). A análise de
dados oficiais mostra que o ensino médio continua sendo o grande gargalo
da educação brasileira.
O ensino médio foi a única etapa a regredir em relação à prova
anterior: o índice de alunos com desempenho satisfatório em matemática
era de 11% em 2009 e ficou em 10,3% em 2011. O relatório usou dados da
Prova Brasil e do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).
No aprendizado de português, o indicador se manteve estável em 29% – ou
seja, sete de cada dez alunos tiveram desempenho insuficiente.
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89,7%
É o percentual de alunos que conclui o 3º ano sem saber matemática
Para Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação, o
fracasso do ensino médio é fruto da baixa qualidade do aprendizado
acumulado no ensino fundamental e de problemas na estruturação do
currículo de aulas.
"No ensino médio, o aluno já chega com uma defasagem muito grande, por tudo que ele não aprendeu nos anos anteriores", afirma.
Problema estrutural
Em sua opinião, a recuperação do estudante do antigo "colegial" depende
de mudanças radicais no programa de aulas. "A estrutura curricular do
ensino médio é muito inchada e fragmentada e o que tem sido feito é só
incluir mais disciplinas", acrescenta.
Segundo a especialista, essa mudança estrutural depende de investimento
na formação docente. "Os professores não estão preparados para lidar
com o estudante real do ensino médio, que vem das mais distintas classes
sociais, com toda essa defasagem e desestímulo em relação à escola. Os
cursos de pedagogia são muito genéricos e teóricos, muito distantes
dessa realidade".
Os professores não estão preparados para lidar com o estudante real do ensino médio. Os cursos de pedagogia são muito genéricos e teóricos
Enem ainda não teve impacto
A reformulação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que desde 2009
passou a selecionar estudantes para vagas em universidades públicas por
meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada) e já servia como critério
de seleção para bolsas do Prouni (Programa Universidade Para Todos),
ainda não promoveu uma mudança no ensino médio, como previu o
ex-ministro da Educação, Fernando Haddad.
"O novo Enem se tornou um estímulo para o aluno concluir no ensino
médio porque abriu perspectivas de entrada na faculdade, mas ainda não
induziu nenhuma transformação estrutural", afirma Priscila Cruz.
Fundamental
Os números recentes apontam que, nos últimos anos, houve avanços
qualidade da educação nos primeiros anos do ensino fundamental. No
entanto, o desempenho dos alunos nas séries seguintes da educação básica não está acompanhando essa melhora.
Enquanto no fim do 5° ano do ensino fundamental a taxa de alunos com
aprendizado considerado suficiente em português é de 40% e em matemática
de 36,3%, no fim do fundamental 2, o percentual cai para 27% em
português e 16,9% em matemática.
A razão para bom aluno na 5ª série se "perder" até o 9º ano pode estar
na estrutura curricular. "Os bons resultados alcançados no fundamental 1
não encontram um ambiente adequado para prosperar", diz Priscila Cruz,
diretora-executiva do Todos pela Educação. Para ela, o currículo com
muitas matérias pode fazer com que o desempenho do aluno se dilua ao
longo dos anos letivos.
SP convoca, pela quarta vez, docentes reprovados em processo seletivo
NATÁLIA CANCIAN
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Menos de um mês após o início do ano letivo, São Paulo já está chamando
professores temporários reprovados em processo seletivo. É a quarta vez
que são convocados, desde que a prova começou a ser aplicada, em 2009.
No Estado, há 39 mil reprovados nas escolas ou esperando convocação.
Para o governo, os "reprovados" agora são chamados de "classificados".
Os temporários substituem os profissionais afastados --em licença, por
exemplo-- ou assumem aulas que ainda estão vagas ao longo do ano.
Inicialmente, o governo dizia que o exame era eliminatório e só poderiam
dar aulas aqueles que obtivessem índice igual ou superior a 40 pontos
--metade das 80 questões.
Agora, a Secretaria da Educação afirma que o teste, aplicado ao fim de
cada ano, é apenas "classificatório" e a contratação está prevista em
lei.
O termo "reprovado", porém, é usado pelas diretorias de ensino nos
comunicados sobre atribuição de aulas, aos quais a Folha teve acesso.
Editoria de Arte/Folhapress |
Ao todo, 138,9 mil candidatos participaram do processo seletivo para
professor temporário no final de 2012. Destes, 39,3 mil não acertaram
nem a metade das questões --quase um em cada três.
A secretaria não divulgou o número de reprovados que poderão atuar neste
ano porque o processo de atribuição de aulas está em andamento. Na
prática, todos estão aptos.
FORMAÇÃO
Para a coordenadora do curso de pedagogia da Unicamp, Maria Márcia Malavasi, o aprendizado dos alunos pode ser prejudicado.
"Um professor que tem deficit de 50% do conteúdo da prova é uma situação
grave", diz. "A pergunta é: por que esses professores foram tão mal
formados a ponto de errarem 50% das questões?"
Segundo ela, é preciso avaliar se a prova é adequada ao conteúdo
ministrado pelo professor e investir em políticas públicas para melhorar
a formação dos docentes. "À medida que o
Estado autoriza a existência de um professor desqualificado é como se ele dissesse que está tudo bem."
Estado autoriza a existência de um professor desqualificado é como se ele dissesse que está tudo bem."
Já para a presidente da Apeoesp (sindicato de professores), Maria Izabel
Noronha, o Estado precisa repensar o processo de avaliação. "Quem faz a
prova muitas vezes nem se prepara porque sabe que vai ficar só um ano",
diz.
"É uma prova que em nada acrescenta, porque não há excedente de
professores, há falta. E se há falta, tem que qualificar. Se todo ano o
Estado põe o que não é classificado, por que desclassificar?"
O salário inicial dos docentes hoje é de R$ 2.088,27, para 40 horas semanais.